Numa leitura crítica remetida a este jornal, o militante Jorge Lopes, que interôs um recurso de impugnação, diz discordar do Tribunal Constitucional (TC) que validou no dia 30 a candidatura de Francisco Carvalho à lidernaça do PAICV.
«Não contesto a decisão, embora dela discorde profundamente. Discordo porque acredito que a democracia interna exige mais do que formalidades. Exige verdade, responsabilidade e coerência entre discurso e prática», sublinhou no artigo remetido a este jornal.
Para Jorge Lopes, o mais grave ainda é que esta decisão abre a porta à normalização de comportamentos oportunistas. «Afinal, que mensagem fica para os milhares de militantes que cumprem os seus deveres, muitas vezes com sacrifício pessoal, se quem não paga quotas pode vir a ser legitimado como presidente do partido?», questionou.
Lopes entende que o Tribunal foi claro ao rejeitar as exceções levantadas pelo candidato em causa, admitindo que o recurso interposto merecia ser conhecido no mérito. «Reconheceu, também, que a declaração apresentada para atestar o pagamento das quotas — condição essencial para qualquer militante se candidatar — foi emitida por alguém sem competência estatutária para o fazer. Reconheceu, ainda, que não havia registos bancários de pagamento de quotas do referido candidato, conforme exigem os Estatutos e o Regulamento de Quotizações», criticou o autor do recurso de impuganação da referida candidatura.
Tendo em conta o seu interesse geral, confira a seguir o artigo de Jorge de Jorge Lopes.
Uma Decisão que Desvaloriza a Legalidade Interna-Leitura crítica do Acórdão n.º 19/2025 do Tribunal Constitucional
O recente Acórdão n.º 19/2025 do Tribunal Constitucional, que julgou improcedente a impugnação da candidatura de Francisco Carvalho à presidência do PAICV, suscita inquietações legítimas quanto ao valor que se atribui, na prática, à legalidade interna e à ética partidária.
O Tribunal foi claro ao rejeitar as exceções levantadas pelo candidato em causa, admitindo que o recurso interposto merecia ser conhecido no mérito. Reconheceu, também, que a declaração apresentada para atestar o pagamento das quotas — condição essencial para qualquer militante se candidatar — foi emitida por alguém sem competência estatutária para o fazer. Reconheceu, ainda, que não havia registos bancários de pagamento de quotas do referido candidato, conforme exigem os Estatutos e o Regulamento de Quotizações.
E, no entanto, decidiu manter a deliberação que admitiu essa candidatura, com o argumento de que, apesar das irregularidades, não houve “violação grave” das regras essenciais de competência ou de funcionamento democrático do partido.
Este paradoxo é gritante. Há ilegalidade, mas não há consequência. Há prova documental de que o ato foi praticado por quem não tinha legitimidade para o fazer, com base em informações falsas ou omissas, mas, ainda assim, o Tribunal opta por um princípio de “intervenção mínima”, como se o respeito pelas regras internas fosse matéria de somenos importância.
Ora, o pagamento regular de quotas não é um detalhe burocrático. É um dever estatutário com profundo valor simbólico, ético e político. Representa o compromisso efetivo do militante com os ideais do partido e com a integridade dos seus processos democráticos. Ignorar esse princípio, ou aceitar a sua simulação com base em declarações de última hora, emitidas por terceiros sem autoridade, é minar a confiança na equidade e na transparência das eleições internas.
Mais grave ainda, esta decisão abre a porta à normalização de comportamentos oportunistas. Afinal, que mensagem fica para os milhares de militantes que cumprem os seus deveres, muitas vezes com sacrifício pessoal, se quem não paga quotas pode vir a ser legitimado como presidente do partido?
Este não é apenas um erro jurídico — é uma derrota moral. Um partido que tolera, sem sanção, a quebra sistemática das suas regras mais elementares compromete a sua própria identidade e credibilidade pública. E um tribunal que, mesmo reconhecendo os factos, opta por não intervir, abdica do seu papel de garante da integridade democrática.
Não contesto a decisão, embora dela discorde profundamente. Discordo porque acredito que a democracia interna exige mais do que formalidades. Exige verdade, responsabilidade e coerência entre discurso e prática.
E neste caso, infelizmente, nada disso foi assegurado.
Numa democracia amadurecida, o rigor na aplicação das regras internas dos partidos não pode ser visto como excesso de zelo, mas como um imperativo ético. Decisões como esta, ainda que legalmente sustentadas, acabam por fragilizar a confiança dos cidadãos nas instituições partidárias. E quando se fragiliza essa confiança, perde a democracia e ganha o cinismo. É tempo de recuperar a seriedade da política, a começar pelo respeito às próprias regras.
Jorge Lima Delgado Lopes
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