sexta-feira, 06 junho 2025

Com poesia, relações de poder

Estrela inativaEstrela inativaEstrela inativaEstrela inativaEstrela inativa
 

Recordo junho de 2013: o povo foi às ruas. Um cenário, a princípio localizado e com causa identificada, tornou-se uma expressão nacional abrangente de indignação contra governantes, quaisquer governantes. Não se o\as aceitou nas passeatas, o\as que tentaram surfar na “onda” deram-se muito mal. Há quem tenha o acontecimento como um Maio de 68, porém restrito e breve.

 

Léo Rosa de Andrade*

As relações sociais, concretas ou virtuais, contudo, são relação de poder. A vida pode ser levada com poesia, o poeta pode estar em qualquer lugar, inclusive sentado no poder, contudo, relações de poder são relações de interesse articuladas. Muito bem articuladas. As manifestações populares pacíficas são um gesto corajoso e poético; há regozijo, envoltura, dignidade. A poesia talvez desacredite, arroste, bote abaixo o poder. Todavia, não ponho muito crédito em que a poesia governe.

 

O Movimento Passe Livre manifestava-se contra um aumento de 20 centavos na tarifa de transporte público. A Polícia reprimiu os primeiros atos, contudo, logo o Brasil desdobraria os eventos constituindo-os em marco da história recente do País. Então, colhendo algumas apreciações, adiantei hipótese que hoje, sem nenhum gosto, confirmo:

“Este movimento é a favor; não é uma manifestação dirigida contra algo. Sim, há faixas, cartazes, gritos de desagrado com a corrupção, o descaso, a violência. Mas o subjacente é a vontade de viver dignamente, de ser tratado\a com respeito, de que o\as governantes sejam honesto\as. Não se está investindo na derrubada das autoridades constituídas, mas se exigindo que as elas muito simplesmente prestem.” Esta análise é de Alice Bianchini. É provável que ela tenha razão.

As relações sociais, concretas ou virtuais, contudo, são relação de poder. A vida pode ser levada com poesia, o poeta pode estar em qualquer lugar, inclusive sentado no poder, contudo, relações de poder são relações de interesse articuladas. Muito bem articuladas. As manifestações populares pacíficas são um gesto corajoso e poético; há regozijo, envoltura, dignidade. A poesia talvez desacredite, arroste, bote abaixo o poder. Todavia, não ponho muito crédito em que a poesia governe.

Manuel Castells, especialista em movimentos sociais (Istoé, 03jul13): “A crise de legitimidade política e a capacidade de se comunicar através da internet e de dispositivos móveis levam à possibilidade de que surjam movimentos sociais espontâneos a qualquer momento e em qualquer lugar. Porque razões para indignação existem em todos os lugares”. Nós temos motivos para desconfiar do\as político\as e para estarmos indignado\as. Há razões, pois, para a ocupação das ruas.

A mesma internet (Facebook) que possibilitou a ressonância tão ampla das demandas da população começa a pôr dúvidas em circulação. Ana Reczek: “Alguém sabe o que, diabos, tá acontecendo? Por que está tudo parado? As ruas estão parecendo cenário de filme de catástrofe, centenas de pessoas vagando sem rumo!” Elza Galdino: “É o retrato do movimento das ruas. Por não ter resposta, terá de engolir a resposta do Poder (plebiscitos, reformas e quejandos).”

Castells considera que o vigor dos movimentos está em que “cada um é seu próprio movimento. Todo mundo é o seu próprio líder. A grande força é que eles são espontâneos, livres, festivos; é uma celebração da liberdade” (editado). Concordo: esta é, mesmo, a força do movimento. Mas também discordo, esta força, graça e poesia do movimento é igualmente a sua fraqueza. A tendência é de esvaziamento, se não se organizar como expressão de poder.

Poder disperso é poder que até pode depor governo, mas não governa, no sentido de que não consubstancia sua vontade como efetiva política pública. Em palavras contábeis: expressão de desejo não resta como recurso empenhado no Orçamento da República. Ora, nada, como realização de governo, acontece fora do Orçamento.

Aliás, parenteticamente: o Orçamento Nacional era o principal instrumento utilizado sistematicamente pelo Executivo para corromper o Legislativo; hoje, com as Emendas Obrigatórias, às quais obedeceu o governo Bolsonaro e obedece o governo Lula da Silva, a corrupção dispersiva do Investimento Púbico é um acordo em que cabe quase todo mundo.

Castells vê fraqueza na estupidez e na arrogância da classe política “que é insensível às demandas autônomas de cidadãos”. Não penso assim. Não no nosso caso. Temos uma peculiaridade: no Brasil, a política é negócio e como tal é tratada. E os negócios recuperam as demandas, reciclam-nas e as devolvem ao povo como objeto de consumo.

Tudo acaba em condição de mercadoria. Inclusive quanto ao “material de protesto” as relações são mercantis. Os poderosos são sensíveis a isso. Emilly Fidelix posta a foto de uma fábrica de máscaras. São anonymous sendo produzidos em série. Cita Felix Guattari: “No fundo só há uma cultura: a capitalística.”

“As classes dirigentes driblam com sobrada habilidade os insurretos e lhes recuperam amplamente as atividades, fazendo com que seus temas prestem serviço à sociedade que pretenderiam destruir. Tudo é negócio” (Liberdade Privada e Ideologia, Acadêmica, de minha autoria).

A revolta vende bem. O anonymous – as ruas – pode ser convertido em mercadoria “transgressora”: broche, camiseta, máscara de carnaval, meme. Eu temia isso: que o grito disperso impressionasse, mas não mudasse. Esta foi a minha provisória impressão. Essa hipótese parece-me confirmada, afinal, quem nos governa é o de sempre: Centrão.

 ---

*Doutor em Direito pela UFSC;Psicanalista e Jornalista.

2500 Characters left


Colunistas

Opiniões e Feedback

jcf
2 days 7 hours

Lá vem o Presidente da República com mais um discurso sobre "progressos desde a independência" e o eterno apelo à "rapide ...

Palermas
3 days 7 hours

que notícia de****** tão mal formulada !!! então uma menina e um rapaza penetraram um rapaz ? kkk a menina era do sexo fem ...

braza
4 days 3 hours

Rapaiz… e depois o problema é só os "meninos de gangue", né? Só os moleques da rua com capuz e celular roubado? Pois to ...

Pub-reportagem

publireport

Rua Vila do Maio, Palmarejo Praia
Email: asemana.cv@gmail.com
asemanacv.comercial@gmail.com
Telefones: +238 3533944 / 9727634/ 993 28 23
Contacte - nos