sábado, 21 junho 2025

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ENTREVISTA: Independências: Censura leva ao uso da linguagem clandestina também na literatura africana

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A especialista em estudos pós-coloniais Inocência Mata considera que durante o colonialismo, a censura levou escritores africanos a usarem linguagem clandestina com simbolismo cultural, como o uso estratégico de grafias e referências.

 

"Eu queria escrever-te uma carta, que se o vento a levasse, os bichos e plantas, compadecidos de nosso pungente sofrer, de canto em canto, de lamento em lamento, eu queria escrever-te uma carta, amor, que a escondesses de um papai Bombo, que a sonegasses da mamãe Kiesa, uma carta que em todo o Kilombo (...)", cita Inocência Mata, esclarecendo que a última palavra, 'kilombo', "designa uma aldeia, mas também pode designar um aquartelamento de tropas preparadas para a guerra".

 

Durante o período colonial, a censura era contornada "através de uma linguagem clandestina", em que o mundo africano não era percetível ao colonizador, conta a escritora e professora, em entrevista à agência Lusa a propósito dos 50 anos das independências das colónias portuguesas.

Inocência Mata dá o exemplo do seu poema preferido, "Carta de um Contratado", de António Jacinto - escritor angolano da geração de Agostinho Neto, Viriato da Cruz, Maurício de Almeida e Mário António - em que é utilizado simbolismo e referências culturais africanas, como "papai Bombo", "mamãe Kiesa" e "kilombo com k", para criticar o sistema laboral colonial, sendo que "todo o poema é uma desconstrução da ideologia colonial".

"Eu queria escrever-te uma carta, que se o vento a levasse, os bichos e plantas, compadecidos de nosso pungente sofrer, de canto em canto, de lamento em lamento, eu queria escrever-te uma carta, amor, que a escondesses de um papai Bombo, que a sonegasses da mamãe Kiesa, uma carta que em todo o Kilombo (...)", cita Inocência Mata, esclarecendo que a última palavra, 'kilombo', "designa uma aldeia, mas também pode designar um aquartelamento de tropas preparadas para a guerra".

As letras 'k', 'y' e 'w', nos anos 50/60, não existiam no alfabeto português e eram utilizadas pelos autores, assim como nomes africanos, que "segundo o estatuto do assimilado, o negro que quisesse ser português [na altura] não podia ter esses nomes", lembra Inocência Mata, acrescentando que "só os indígenas” podiam ter.

A escritora afirma que "os poetas estavam conscientes" do que não podiam fazer, assim como os portugueses, que "não podiam estar a fazer apologia da independência".

Os escritores africanos jogavam com as "nuances da língua" e faziam "uma literatura muito clandestina". Quando deixavam de o fazer eram punidos, como Luandino Viera - escritor angolano que escreveu obras como “A cidade e a infância” e “A fronteira do asfalto” – que chegou a ser preso no Tarrafal, e a ter uma obra premiada anulada pela Polícia Internacional e Defesa do Estado (PIDE), que também "escaqueirou a Sociedade Portuguesa de Escritores" e extinguiu-a.

A professora compara os escritores que publicavam nas próprias terras e aqueles que o faziam longe, como Agostinho Neto, que publicava os seus poemas, como "Olhos secos" e "Adeus à hora da largada", mais ostensivos na reivindicação da independência, em Itália, longe do "crivo do Lápis Azul", porque se publicassem na sua terra não passaria, ou seja, "a PIDE não brincava em serviço também em África".

A Semana com Lusa 

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