domingo, 15 junho 2025

Independência/50 Anos: História dos cavalos na ilha do Fogo entre tradição, competição e desafios

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A relação da ilha com os cavalos é das mais profundas e simbólicas do país, e desde a época colonial até hoje, serviu como meio de transporte, mas também protagonista de uma tradição cultural.

Entre 1975, ano da independência de Cabo Verde, e 2025, os cavalos desempenharam um papel que vai muito além do entretenimento, foram símbolos de “status social, bravura, identidade cultural”, e mais recentemente, de resistência, considerou o professor e activista Fausto do Rosário.

Em 1975, os cavalos ainda eram animais usados sobretudo para o transporte e à rotina do campo, mas eram também figuras centrais nas festividades religiosas, especialmente nas festas da bandeira e os cavalos que corriam eram os mesmos que eram usados para outros fins e não havia especialização e a corrida era uma extensão do dia a dia do cavaleiro.

“O que sempre existiu, à semelhança do que acontecia na Península Ibérica e em toda a zona mediterrânica do sul da Europa, foram as demonstrações de perícia e da arte de montar, que aqui chamamos de cavalhadas ou “panha argolinha” em crioulo”, disse Fausto do Rosário, que lembrou que esse componente importante marca o fim da festa e a entrega da bandeira a um novo festeiro e as corridas com prémios foram introduzidas, em 1949.

Esse período é lembrado com nostalgia pelos mais velhos, não apenas pela simplicidade, mas pela conexão simbiótica entre homem e animal.

Com a década de 1980 veio uma transformação decisiva e começaram a chegar cavalos de outras ilhas, como São Vicente e Boa Vista, cavalos “puro-sangue” ou “quarto de milha”, criados e treinados exclusivamente para a competição o que deu início a uma nova fase: as corridas a prémios e mais bem disputadas.

Os criadores começaram a investir em cruzamentos, técnicas de alimentação, treinamentos regulares e a paixão virou estratégia e a corrida de cavalos de São Filipe se tornou a mais concorrida de Cabo Verde e nomes como Raul Fernandes (Raul Bob), Francisco da Silva Barbosa Vicente (Chico de Nhanha de Bia), Ramiro Barbosa Vicente e Jorge Lima (Djô Brocó) dominaram esse período e os cavalos se tornaram lendas vivas, nomeadamente: Russinho, Sultão, Sartana, Dólar, Queen, Vingança, Armando Cunha…

“Francisco da Silva Barbosa Vicente foi um dos grandes impulsionadores e idealizadores da festa de São Filipe e das corridas de cavalos”, disse Fausto do Rosário, que lembrou que foi nesse período que o hipódromo, hoje estruturado, começou a ganhar forma e a zona conhecida como “500 metros” (uma das primeiras pistas de corridas de cavalos) passou a receber melhorias, reflectindo o novo status da corrida.

Nos anos 1990 e 2000, as corridas de cavalo atingiram seu auge em termos de popularidade com os jóqueis a tornarem-se celebridades e os cavalos eram aclamados como heróis e o envolvimento da diáspora foguense, sobretudo os emigrantes nos EUA e na Europa, a garantirem patrocínios e incentivos que ajudaram a manter o entusiasmo e a estrutura das competições.

O avanço criou um abismo entre o espetáculo moderno (corrida a prémios) e a tradição da “cavalhada” (panha argolinha) já que os cavalos “importados” mais velozes e agitados não se adaptam às provas de habilidade e os criadores, com receio de acidentes e prejuízos, passaram a evitar essas demonstrações.

“A cavalhada, antes o momento mais simbólico da festa, começou a desaparecer “silenciosamente” do centro das atenções”, referiu o professor e activista que defendeu o “repensar da modalidade de corridas e trazer de volta à ribalta o grande momento que é a cavalhada do Alto São Pedro”.

O custo para manter um cavalo de corrida subiu consideravelmente e muitos criadores reclamam da ausência de um calendário regular de competições e da falta de incentivos financeiros e mesmo com prêmios maiores, chegando a 500 mil escudos para o vencedor da corrida de São Filipe, os gastos com alimentação, cuidados veterinários e transporte superam os lucros possíveis e está a levar vários criadores a pensar em vender seus cavalos ou abandonar completamente a prática, referiu.

O professor e activista Fausto do Rosário destacou que a paixão persiste e em cada edição da festa de São Filipe, milhares de pessoas se dirigem, a pé, ao hipódromo para ver os cavalos correrem e os nomes míticos permanecem no imaginário popular e os cavalos e jóqueis continuam sendo cantados em músicas e lembrados em rodas de conversa, décadas depois de suas últimas corridas.

Já o agrónomo e professor universitário, Francisco Silvas, referiu que a origem dos cavalos em Cabo Verde remonta ao período colonial, quando os primeiros equinos foram trazidos pelas administrações portuguesas e que na ilha do Fogo, a criação desses animais desenvolveu-se de forma mais intensa, especialmente entre as famílias da elite local, que viam no cavalo um “símbolo de status, luxo e prestígio”.

Segundo o mesmo, com o tempo, os cavalos passaram a ocupar um espaço central nas festas tradicionais, com destaque para as de São Filipe, com as corridas a tornarem-se um dos eventos mais aguardados, mobilizando homens, mulheres e crianças numa celebração colectiva que une identidade e espetáculo.

“A criação e a educação de cavalos são actividades lucrativas, mas com custos elevados”, disse Francisco Silva que está a trabalhar num projecto de investigação para estimar o custo da criação de cavalos na ilha do Fogo dada a situação de Cabo Verde e a necessidade diária de exploração de equinos.

Na ilha do Fogo, os cavalos fazem parte do quotidiano da população, especialmente da elite, referiu o agrónomo, que sublinhou que o cavalo, em qualquer lugar do mundo, é um animal de estima, luxo e de poder e posse.

Criar cavalos na ilha do Fogo nunca foi uma tarefa fácil e o clima árido, limitações de recursos hídricos e os altos custos de alimentação tornaram essa prática um “verdadeiro acto de resiliência”.

Ao abordar o custo de manutenção de um cavalo que é elevado, Francisco Silva afirmou que “um cavalo adulto, com peso médio de 450 kg, consome, pelo menos 02 a 02,5 por cento (%) de ração correspondente ao seu peso, cerca de 12 quilogramas de alimento e 38 a 45 litros de água por dia”.

Isso, explicou o agrónomo, representa um custo diário de 72 dólares e um custo mensal de manutenção que pode ultrapassar os dois mil dólares por animal, valor significativo num contexto socioeconómico como o de Cabo Verde.

Apesar disso, a tradição se mantém viva e grande parte dos criadores, pelo que consta, não conta com subsídios regulares ou apoios institucionais, sustentando seus animais por paixão, herança familiar ou pelo desejo de participar activamente dos eventos culturais mais emblemáticos da ilha como a festa de São Filipe.

O interesse crescente em estudar essa realidade, como demonstra a iniciativa recente de elaborar um projecto de pesquisa sobre a criação de cavalos na ilha, revela uma nova consciência sobre a importância de preservar e compreender esse património vivo.

A proposta do projecto visa não apenas calcular os custos e identificar as raças presentes na ilha, mas também traçar conexões entre a prática da criação e as festividades de São Filipe, buscando responder perguntas fundamentais, referiu o professor universitário.

Esse estudo, ainda na fase inicial, poderá lançar luz sobre a evolução da criação de cavalos na ilha, as mudanças ao longo das décadas, e os factores que têm permitido a continuidade dessa prática frente às crescentes dificuldades impostas pelas mudanças climáticas e pelas exigências do próprio animal.

Investigar como e quando os cavalos chegaram a Cabo Verde, provavelmente trazidos pelos portugueses durante a colonização, e o porquê do Fogo ter-se tornado no epicentro da cultura equestre são outros objectivos da pesquisa.

 

A Semana com Inforpress

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