segunda-feira, 16 junho 2025

Independências: África recebe imigração qualificada que quer ajudar a desenvolver a região 

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África, um continente em crescimento, começou a atrair imigrantes qualificados, nomeadamente de Portugal, que querem contribuir "para o seu desenvolvimento", explicaram à Lusa Cláudia Reis e Aissatu Turé, duas jovens que regressaram às terras dos seus ancestrais.

Cláudia Reis, formada em jornalismo em Portugal, foi viver para a terra dos seus avós, na ilha de São Vicente, em Cabo Verde, mais precisamente no Mindelo, em julho de 2024.

"Há pessoas a regressar [a África], muitas delas com cursos superiores, que vêm contribuir para o desenvolvimento do país", realçou.

"Eu sou portuguesa, de ascendência cabo-verdiana. Os meus pais e os meus avós são da ilha de São Vicente, do Mindelo, mas os meus avós foram viver para Portugal na altura do 25 de Abril [de 1974]", declarou, salientando que os seus pais foram em tenra idade para Portugal e foi lá que se formaram.

Cláudia, ao crescer, sentia-se diferente. Em Portugal perguntavam constantemente "és de onde?" e em Cabo Verde, quando visitava o país durante as férias, diziam-lhe "não és de cá". 

A jovem começou a questionar "sou de onde?". Por isso requereu a dupla nacionalidade.

"Eu tenho dupla nacionalidade. Confesso que, inicialmente, quando requeri a nacionalidade [cabo-verdiana] foi mais por uma questão de identidade", explicou, acrescentando que agora se sente completa.

"Eu percebi que pertenço a estas duas nações, tenho raízes culturais de ambos os países, portanto essa é a minha matriz", reiterou.

Daí o interesse em viver em Cabo Verde, terra que adorou desde a primeira vez que a pisou.

"Eu, sempre que vinha cá [a São Vicente], sentia uma emoção muito grande quando o avião aterrava. Eu sou uma grande fã da Cesária Évora, então estar na terra onde ela nasceu, nas ruas por onde ela circulou, para mim tem muito significado", descreveu.

Em Portugal, Cláudia sentia que "não tinha muito tempo para viver, apenas sobrevivia" e o aumento do custo de vida fez com que se criasse a conjuntura ideal para regressar à terra dos seus avós.

"Tenho mais qualidade de vida e tempo aqui, porque tenho outra liberdade e a vida aqui é mais descontraída, as pessoas aproveitam mais o dia", salientou.

Estar na terra onde os seus avós nasceram é muito significativo e sente ter uma espécie de missão, confessou.

Aissatu Turé, também portuguesa, mas de ascendência guineense, também sente que tem uma missão em África.

A atual secretária-geral da câmara municipal de Bissau, advogada de formação, disse à Lusa que, na Guiné-Bissau, "podia fazer a diferença" e que em Portugal "se sentia mais uma".

Aissatu descende de empresários guineenses que perderam todos os seus bens e empresas na guerra civil de 1998.

Segundo explicou à Lusa, a guerra deixou marcas na sua família, que teve de deixar tudo para trás. 

"Por tudo o que a minha família passou, a imagem que eu tinha daquele país eram traumas", lamentou.

Em Portugal, a sua família refez a vida e os seus pais regressaram a esta nação da África Ocidental.

A jovem ficou ao cuidado da sua avó, em Lisboa, e foi nos subúrbios da linha de Sintra que cresceu e se formou.

Com a melhoria das condições financeiras da sua família, começou a visitar a Guiné-Bissau, o que, inicialmente, foi um choque cultural, pelo que nunca tinha imaginado lá viver.

"Antes só conhecia Bissau pelas férias que lá passava, ou pelo que via nas notícias e nunca pensei lá viver. Visto que nasci numa nação europeia, nunca me imaginei a viver num país em desenvolvimento, mas as oportunidades que me foram apresentadas em Bissau fizeram-me repensar", explicou à Lusa.

Segundo Aissatu, inicialmente questionou o que iria fazer em África, visto ter a perceção de que era um continente "instável e problemático", mas, depois, percebeu que é também um "continente de oportunidades".

"Quando cheguei a Bissau vi que, de facto, há imensos portugueses com negócios e a terem vidas saudáveis e isso deu-me a perspetiva de aceitar as oportunidades que foram surgindo", explicou.

Para Aissatu, aceitar trabalhar em Bissau, em 2022, "foi a melhor escolha" que fez em toda a sua vida.

A secretária-geral da câmara municipal de Bissau considera que é "muito mais feliz em Bissau" - apesar "de amar Lisboa" -, mesmo "com as condições precárias" que por vezes enfrentam, "como a falta de água ou luz".

 A Semana Com Lusa 

jacob
Concordo plenamente com a Cláudia e a Aissatu — regressar às origens, munidas de formação e consciência, é um acto de coragem, mas também de reconstrução identitária. Só que, sejamos honestos, o problema da identidade africana vai muito além da burocracia da nacionalidade ou do dilema “sou de cá ou de lá”.

Sobretudo em Cabo Verde, essa questão é ainda mais profunda, dolorosa e mal resolvida, principalmente para os mulatos caboverdeanos, que cresceram com a sensação de pertencer a um “entre-lugar”, muitas vezes rejeitados por ambos os lados.

Sim, temos dupla nacionalidade.
Sim, temos orgulho das raízes.
Mas não chega.
Porque não se trata apenas de passaporte, mas de pertença — e essa pertença, para os filhos da mestiçagem, foi distorcida por uma narrativa colonial mal digerida, que nos ensinou a negar a nossa africanidade para aspirar à aceitação europeia.

Em Cabo Verde, ainda se cultiva um discurso velado de “civilidad e mestiça” que marginaliza o negro e normaliza o mulato apenas enquanto intermediário funcional.
Há um apagamento da negritude interna e uma glorificação do “português bom” — e é aí que se envenena a construção identitária de milhares de jovens que, como a Cláudia e a Aissatu, estão a tentar reconciliar o passado com o presente.

Portanto, o verdadeiro desafio não é só regressar —
É desconstruir o que nos ensinaram sobre quem somos.
É afirmar uma africanidade consciente, crítica e orgulhosa.
É deixar de procurar validação fora e começar a curar as feridas históricas que continuam abertas por dentro.

Porque sem isso, não há transformação social que resista, nem desenvolvimento que seja nosso — será sempre para os outros.

#IdentidadeAfri cana #Mestiçagem #DescolonizaçãodaMente #CaboVerdeÉÁfrica #PertencerÉResistir #CláudiaEAis satuRepresentam

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