O Presidente cabo-verdiano e uma portuguesa desfiaram este domingo memórias com mais de 50 anos, recuando ao tempo em que a professora Clara Seabra deu aulas ao aluno José Maria Neves, no Liceu Domingos Ramos, na cidade da Praia.
O reencontro aconteceu antes do encontro do Presidente com a comunidade de Cabo Verde residente na Grande Lisboa, no Centro Paroquial da Damaia, no concelho da Amadora, arredores de Lisboa.
Em declarações à agência Lusa, a professora Clara Seabra, de 77 anos, recordou o quão “excelente” era o aluno José Maria Neves.
“Era excelente. Aliás, foi uma geração de ouro”, salientou, evocando outros importantes dirigentes cabo-verdianos a quem ensinou português, como o escritor José Luís Hoppfer Almada e o músico e também escritor Mário Lúcio, que viria a ser ministro da Cultura.
“Os meus meninos, quando me perguntavam quantos filhos eu tinha, eu dizia: tive mais de 5 mil. São vocês todos. Tive uma ligação, de facto, muito especial”, recorda.
“Tive uma ligação especial. Muito, muito especial. E depois, eu aprendi crioulo com eles. Eles aprendiam português comigo e eu aprendia crioulo com eles. E era muito mais fácil essa comunicação”, recorda.
Clara Seabra deu aulas de português no Liceu Domingos Ramos, nome atribuído ao então Liceu Nacional Adriano Moreira após Cabo Verde conquistar a independência de Portugal, proclamada há 50 anos, em 05 de julho de 1975.
Ligada à resistência anticolonial em Coimbra, onde fazia parte da geração que resistiu durante a crise académica de 1969, Clara Seabra viria a desenvolver uma ligação afetiva ao Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV).
A independência de Cabo Verde viveu-a em Conacri, onde o partido fundado por Amílcar Cabral, o Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) dirigia a guerra contra o regime colonial português.
Com a crise académica de 1969, perdeu a bolsa que tinha e, recorda, “como já estava ligada ao partido”, foi para Cabo Verde.
Antes da ida para Cabo Verde, tinha combinado com o marido sair de Portugal e reencontrarem-se em Paris.
Clara Seabra conseguiu chegar a Paris, mas o marido foi preso na fronteira hispano-francesa em resultado do aumento da repressão do regime franquista espanhol após o atentado à bomba que liquidou o então primeiro-ministro Carrero Blanco, realizado pelos independentistas bascos, a ETA.
Clara Seabra deixa Paris e segue para os Países Baixos e daí para Conacri.
O marido viria a ser preso em Caxias, de onde seria libertado após o derrube do regime colonial, em 25 de abril de 1974.
Com o advento das independências das antigas colónias, Clara Seabra foi para a Guiné-Bissau, onde foi trabalhar no Comissariado da Educação.
“O meu marido ficou ainda em Portugal algum tempo. Foi libertado e mais tarde passa para Cabo Verde”, conta.
“Eu tive, entretanto, uma missão na Suécia e da Suécia fui para Paris e de Paris para Bissau. De Bissau acabei por voltar para Cabo Verde e fui para as minhas aulas, que era o que eu gostava”, dando aulas até 1987.
A ligação de Clara Seabra com Cabo Verde foi hoje reavivada ao reencontrar o seu antigo aluno José Maria Neves, que pediu que lhes fosse feita uma fotografia que fixasse o desfiar das memórias de mais de 50 anos.
A Semana com Lusa
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