A Casa da Memória, espaço dedicado à preservação da cultura foguense, que hoje celebra o seu 24º aniversário, brinda o público com uma nova sala reunindo livros antigos de bibliotecas particulares de três famílias da ilha do Fogo.
Com abertura de uma nova biblioteca especialmente dedicada a livros antigos, a Casa da Memória está a dar um “passo importante” na preservação da história e cultura da ilha do Fogo e a iniciativa, organizada pela curadora Monique Widmer, revela um acervo rico em obras dos séculos XVIII ao XX.
O espaço, recentemente reorganizado, abriga agora três bibliotecas particulares pertencentes a três famílias da ilha e já está aberto ao público com 1.650 livros e cerca de 150 revistas, que revelam o legado cultural da ilha do Fogo, e com exemplares raros dos séculos XVIII, XIX e XX.
Entre os destaques está a biblioteca que esteve sob os cuidados de Dona Irene Noémia Vasconcelos Vicente Barbosa, respeitada professora particular e que ao longo dos anos reuniu livros da sua própria família, construindo um acervo notável.
A sua contribuição vai além da literatura, ela teve papel essencial na formação e influenciou figuras importantes, como o escritor Henrique Teixeira de Sousa, que reconheceu sua importância na própria trajectória educacional.
A segunda biblioteca pertenceu a Álvaro Adolfo Avelina Henrique e seus descendentes, disse a proprietária da Casa da Memória, Monique Widmer, sublinhando que “são bibliotecas incompletas”, mas que representam parte significativa da história intelectual da ilha.
A terceira biblioteca foi doada por Ubaldinho Santos, composta por livros e até mesmo os armários do seu pai, Ubaldo Santos, que foi professor primário em São Filipe e a doação foi um gesto para a preservação da memória do pai.
O acervo, com mais de mil volumes, inclui desde clássicos latinos e gregos (1766) até obras de Rousseau (1831) e romances de Charles Dickens. Há também livros didácticos de direito, ciências, filosofia, pedagogia e línguas (português, francês, inglês e alemão), evidenciando o acesso de foguenses a estudos no exterior.
Entre os exemplares mais antigos estão Missal (1703), os grandes clássicos latinos (1766) e gregos (1779), Breviário (1767), livros de direito (1786), um raro exemplar de Rousseau de 1831, além de títulos de autores como Charles Dickens.
“A nova sala é mais do que um espaço físico, é um testemunho da existência de uma elite letrada na ilha do Fogo, e da força do autodidatismo de sua população”, pontuou a responsável da Casa da Memória que hoje celebra o 24º aniversário da sua fundação e funcionamento.
Muitos dos livros vieram com membros das famílias que estudaram no exterior, especialmente em Portugal, e eram compartilhados por gerações e a presença de obras em francês, inglês e alemão revela o interesse e a dedicação das famílias locais ao aprendizado de idiomas e ao conhecimento em geral.
"Alguns membros dessas famílias estudaram em Portugal, trazendo conhecimento que beneficiou toda a comunidade. Havia uma cultura autodidata forte", destacou Widmer que sublinhou que as revistas da época e publicações pedagógicas também compõem o acervo, mostrando como os livros chegavam à ilha por navios.
A nova sala contrasta com a realidade actual referiu a curadora que justificou que "hoje, poucas pessoas em São Filipe têm bibliotecas em casa” e destacou que “perdeu-se um pouco esse hábito de ler e aprofundar conhecimentos".
A curadora espera que a exposição dos livros antigos que podem ser consultados “in loco”, possa servir de inspiração aos visitantes e estudantes, e revelar assim como a educação moldou a identidade foguense.
"Esta sala mostra que a cultura da ilha do Fogo foi construída com esforço, estudo, e uma profunda valorização da leitura. Muitos visitantes se surpreendem com essa riqueza e reconhecem o valor histórico e afectivo desses livros", destacou Monique Widmer, responsável pela curadoria da Casa da Memória.
“Os historiadores contam a história, mas eu, na Casa da Memória, quero contar uma memória”, revelou Monique Widmer, para quem isso demonstra que existe cultura na ilha e que essa cultura foi plantada e irrigada há muito tempo.
Além da biblioteca com os livros antigas, a Casa da Memória conta com uma biblioteca contemporânea com obras de autores cabo-verdianos, livros traduzidos e publicações reeditadas, permitindo que turistas e visitantes desfrutem de uma leitura agradável em diferentes línguas, português, inglês, francês e alemão.
A nova biblioteca da Casa da Memória é uma celebração “silenciosa da educação, da cultura e do legado das famílias foguenses, um espaço onde o passado encontra o presente, e onde cada livro conta uma história sobre quem fomos e quem ainda podemos ser”.
Fundada em 2001 como uma iniciativa privada, a Casa da Memória que nasceu com a missão de "guardar a memória do passado, construir a história do futuro", e mais do que um espaço de conservação, ela afirma-se hoje como ponto de partida para novas investigações e redescobertas sobre a rica história cultural e intelectual do Fogo e oferece uma oportunidade única de mergulhar na história da ilha.
Monique Widmer faz a distinção entre a Casa da Memória e museu, observando que o seu espaço é uma casa que salvaguarda a memória de São Filipe e do Fogo e não um museu porque, segundo o próprio Instituto de Património Cultural (IPC), não segue as normas de museu.
A Semana com Inforpress
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